Roberto de Camillo
Ex-gerente da agência do Banco do Brasil de Tóquio
Muito obrigado. Meu nome é Roberto de Camillo. Trabalhei no Banco do Brasil por 34 anos e me aposentei, no final do ano passado, como gerente regional do banco para as operações da Ásia, que incluem todas as operações do banco no Japão.
Morei em Tóquio durante seis anos atuando como gerente das operações do banco no Japão. Já tinha sido gerente adjunto daquela mesma operação, de 1991 a 1993 e, portanto, tive a experiência de viver esse dia-a-dia bancário no Japão por quase 10 anos, ou melhor, 9 anos, para não exagerar.
Venho, hoje, falar da minha experiência pessoal. Não vim falar somente do Banco do Brasil ou puxar a sardinha do banco, porque não tenho mais nenhum vínculo com ele.
Quero falar um pouco do dia-a-dia, das dificuldades que sofre um brasileiro no Japão para cuidar do seu dinheiro. Ele recebe o seu salário em ienes, converte esse valor para dólar, remete-o pra o Brasil, aplica-o em alguma coisa que renda um pouco mais de juro, até o dia em que decida retornar ao Brasil e possa ter essa poupança acumulada, disponível para fazer um investimento no Brasil.
Quando o movimento de brasileiros para o Japão começou, no final da década de 1980, os bancos brasileiros que estavam naquele país eram somente o Banco do Brasil e o Banespa.
Eram pequenas agências internacionais das sedes do Brasil e estavam instaladas no centro de Tóquio, voltadas apenas para operações de comércio exterior e captação de recursos interbancários no mercado japonês.
O movimento decasségui foi intensificado por volta de 1990, como vimos há pouco, com a ida da terceira geração, do sansei, ao Japão, provocando essa movimentação incrível.
Aproximadamente após o ano de 1995, as ações do banco foram muito direcionadas para as regiões industriais do Japão, como as províncias de Shizuoka e Aichi; aliás, foi o inverso, mais para Aichi. Lá não havia bancos estrangeiros, e nessas regiões o movimento estava restrito aos bancos locais, sem representatividade forte em operações internacionais e de câmbio.
Assim, um dos problemas enfrentados por esses primeiros decasséguis foi como converter e remeter para o Brasil os salários que recebiam e que estavam poupando para o seu futuro.
No início, grande parte das empreiteiras pagava salário em dinheiro vivo, e os trabalhadores aguardavam uma chance de ir até a cidade grande mais próxima para procurar uma casa de câmbio e converter esse dinheiro em dólares. Depois, esses dólares eram guardados em casa, e quando retornavam ao Brasil – e era muito comum esta prática traziam quantias enormes de dólares em suas malas. Acredito até que haja alguém nesse grupo aqui presente que tenha vivenciado essa fase do movimento decasségui.
Nesses primeiros tempos, durante a estada no Japão, para remeter o dinheiro ao Brasil para manutenção dos parentes que haviam ficado, o decasségui tinha como única opção os serviços desses bancos locais. Bancos regionais, nas localidades onde estavam trabalhando. As poucas instituições que faziam essas transferências cobravam caro e a chegada desse dinheiro no Brasil era muito demorada.
Mesmo hoje, os bancos que operam internacionalmente atuam mais ou menos como câmera de compensação, para diminuir os custos de transferência e ter possibilidade de cobrar mais barato dos seus clientes. Esses bancos locais tinham poucos negócios e pouca experiência com o Brasil e, além disso, não tinham nenhum correspondente bancário aqui. Estamos falando de 15 anos atrás, dos bancos da província de Aichi, dessas regiões de trabalhadores estrangeiros no Japão.
Além de tudo isso, não se deve esquecer também a enorme dificuldade de adaptação desses primeiros decasséguis. Eles não dominavam a língua japonesa, fator que impedia muito o bom atendimento bancário a esses trabalhadores no Japão.
O Banco do Brasil em Tóquio, aos poucos, começou a notar que aumentava o número de clientes brasileiros que vinham até a sua agência, no centro da capital, solicitar o envio de dinheiro a parentes no Brasil. Isso era comum no início dos ano 1990. Demorou alguns anos para o banco focar isso como um negócio de futuro, reconhecendo que não teria mais reversão, porque estava aumentando e iria continuar aumentando ao longo do tempo.
Comecei no Japão como gerente adjunto, em final de 1991, e já havia bastante movimento. O banco já havia criado o guenkin kakitome, que foi a grande invenção do Banco do Brasil, e o utilizava para remeter dinheiro de localidades distantes do Japão até o centro de Tóquio.
Havia filas de clientes na agência e o banco não podia fechar no horário determinado, porque a fila atrapalhava. Era uma situação bastante difícil, inclusive dentro do banco, criar uma cultura voltada para o atendimento desse novo tipo de cliente que estava no Japão.
A partir de 1992, o Banco do Brasil, de fato, passou a dedicar mais atenção a esse público. Modernizou os guichês, adaptou alguns computadores e contratou alguns funcionários brasileiros para atendimento. Como os decasséguis tinham dificuldade de locomoção para Tóquio durante a semana, o banco aproveitou uma facilidade que a lei bancária japonesa permitia e obteve licença para abrir aos sábados. Desde então, começou a ficar cheio de brasileiros.
Naquele ano de 1992, o banco lançou dois produtos para o público brasileiro: a poupança ouro em dólares ou em ienes e a remessa para o Brasil em dólares. Isso fez com que aqueles decasséguis, que podiam se deslocar até Tóquio, tivessem mais facilidade no trato de suas economias no Japão. Esse serviço nunca parou de crescer, e continua crescendo até hoje.
Mas, o maior avanço naquele ano foi o fato de o Banco do Brasil ter descoberto os mecanismos do guenkin kakitome, ou seja, a possibilidade do envio de dinheiro pelos correios no território japonês.
Logo que soube disso, naquele ano, consegui fazer um acordo entre o banco e os correios japoneses, e mandamos imprimir envelopes de guenkin kakitome em português e distribuímos manuais em todos os pontos de encontro de brasileiros. Explicamos como poderiam enviar seus ienes para o Banco do Brasil, em Tóquio, usando aqueles envelopes simples de remessa, indicando seu devido preenchimento, ou seja, para onde remeter, a quantia, endereço etc.
Nesse momento, o Banespa também acordou para essas novas oportunidades de negócio e mandou imprimir o seu guenkin kakitome. Mas o Banespa se atrasou, demorou cerca de um ano para entrar nesse negócio. Enfim, só saiu a campo em 1992, e a partir daí, os dois bancos trabalharam bastante forte nisso.
Havia até um terceiro banco, não era o Banco América do Sul nem uma agência de banco no Japão, que nessa época também entrou forte no negócio do guenkin kakitome. Com um acordo coletivo com o Banco Fuji, se não me engano, ele também fazia remessa via guenkin kakitome de dinheiro para o Banco Fuji, que passou a facilitar essa remessa de dinheiro para o Brasil.
Com essa disputa e a facilidade de o dinheiro chegar até os bancos instalados em Tóquio através do guenkin kakitome, a demora diminuiu sensivelmente, o dinheiro passou a chegar mais rápido ao Brasil e os custos de remessa também caíram rapidamente.
Este serviço existe ainda hoje em todos os bancos que estão no Japão. Contudo, com as facilidades que os bancos têm hoje no mercado japonês, na realidade, eles têm procurado dificultar o uso do guenkin kakitome. Em alguns, chegam até a aumentar o custo das remessas através desse sistema. Mas, atualmente, acaba sendo um serviço mais utilizado por aqueles que estão trabalhando em regiões onde realmente não há alternativa. Ou seja, não há outra forma de transferir o dinheiro para o Brasil, a não ser colocando o dinheiro nesse envelope e remeter para os bancos em Tóquio, para que depois eles remetam para cá.
Aproveitando o movimento decasségui, em 1993 o Banco do Brasil abriu uma agência em Hamamatsu, procurando se aproximar mais do seu público pessoa física. Batalhou muito, foi muito difícil, mas ele conseguiu autorização para abrir a terceira agência em Nagoya, que foi inaugurada em 1998. Depois, no ano de 2000, abriu uma outra agência na província de Gunma, na cidade de Ota, e mais três agências em 2002, em Ibaraki, Nagano e Guifu. Hoje, o Banco do Brasil tem sete agências; o Banespa continua com a sua agência em Tóquio; e foi aberta também uma agência do Banco Itaú em 2003.
O Banco do Brasil foi aprimorando seus serviços, dando prioridade cada vez maior ao atendimento da clientela de brasileiros. Outros bancos brasileiros entraram no mercado para disputar esses clientes e também surgiram algumas empresas de câmbio, de investimentos, tentando vender serviços mais sofisticados para esses clientes, que eram temporários. Muitas delas não conseguiram se fixar. Acho que, hoje, pode-se dizer que não existe mais essa oferta de serviço, porque consideramos o decasségui como investidor temporário. O investimento definitivo dele não é aplicar os dólares nem os ienes no mercado financeiro japonês. É uma coisa temporária.
Os bancos que estão no Japão oferecem hoje os mesmos serviços que ofereciam desde o início. Não são operações bancárias muito sofisticadas, mas, basicamente a poupança, que seria alguma coisa como depósito a proza, que pode ser em iene ou em dólar. Isso praticamente atende à necessidade da grande maioria dos clientes que estão trabalhando no Japão, que pensam em fazer investimento temporário, ou seja, guardar o dinheiro por algum tempo.
Esses clientes também não estão buscando aplicações mais sofisticadas, querem especificamente guardar aquele dinheiro por um período pequeno, até que se forme na cabeça dele um projeto definitivo ou um projeto de longo prazo de aplicação desse dinheiro. Todos os bancos, hoje, têm sites muito bem montados na internet, e proporcionam informações aos clientes on-line a respeito de seus depósitos. Todos eles têm central telefônica de atendimento, horário de atendimento expandido, trabalham aos sábados e todos fazem plantões aos domingos em regiões de concentração de brasileiros, procurando incrementar sua presença no mercado. Nos domingos, pela internet, podemos acompanhar e ver mais de 15 plantões de bancos em todo o território japonês.
Não só os três bancos que têm agência, mas os outros, como o Bradesco – que não trabalha no Japão, mas tem uma agência de turismo com o nome Bradesco – mantêm seus plantões. Aos domingos, em horários expandidos, em feriados, aos sábados, mais o horário noturno; todos procuram estar realmente nos locais das concentrações de brasileiros e facilitar a vida deles.
Para o serviço de remessa ao Brasil, além do Banco do Brasil. Banespa e Itaú, existem aqueles que fazem concorrência oferecendo quase a mesma faixa de preço e facilidades. Entre estes, hoje, estão o Bradesco e o Banco Bamerindus – o atual HSBC -, que usam as facilidades de correspondentes bancários locais para oferecer o serviço de remessa a preço competitivo em relação aos três bancos. No Japão, todos eles possuem central telefônica com horário expandido e promovem uma concorrência muito grande nesse serviço.
Os serviços dos bancos locais
As empreiteiras de mão-de-obra, hoje, têm trabalhado mais próximas aos bancos locais, regionais, aqueles que estão nas localidades distantes, e esses bancos têm a sua contabilidade e as suas folhas de pagamentos centralizadas. Atualmente, um decasségui, ao chegar ao Japão, normalmente é convidado a abrir uma conta no banco indicado pela empreiteira, um banco japonês local ou regional, que lhe dá um cartão de crédito com o qual poderá movimentar o seu salário.
Muitas vezes, esses bancos dispõem de máquinas automáticas instaladas dentro da própria empresa em que esses decasséguis estão trabalhando, o que facilitada o saque dos salários. Essas máquinas japonesas são mais sofisticadas do que as brasileiras. Por exemplo, o cliente pode fazer o saque, muitas vezes, numa moeda só.
Enfim, a máquina faz tudo e é muito sofisticada, aliás, sofisticada demais para quem não fala a língua japonesa. O que acaba ocorrendo, na prática, é que o brasileiro recebe o seu cartãozinho e aprende – como eu aprendi – a sacar o dinheiro, e só faz aquilo. Ele sabe que aquela máquina pode fazer remessa, pode fazer milhares de outras operações. No entanto, no mesmo dia em que sai o salário, ele vai até a máquina – e ele já aprendeu as três ou quatro telas necessárias para sacar – e retira todo o dinheiro. Fica com ienes e vai até o Banco do Brasil, ou ao correio, para fazer a aplicação daquele dinheiro. Somente aqueles que têm melhor domínio da língua conseguem operar nessas máquinas sem ter de manusear o iene. Eu diria que a grande maioria, 80% ou 90% dos decasséguis, trabalha dessa forma.
Assim, mesmo que tenham conta no banco japonês, eles sacam o seu dinheirinho e vão ao Banco do Brasil ou ao correio para as suas operações, quando se trata de remessa para o Brasil ou para transformá-lo em dólar.
Alguns desses bancos pequenos, bancos locais – eu os chamo de bancos pequenos -, que não são internacionais, como o Shizuoka Bank, começaram a ver esses brasileiros como um bom nicho de mercado, assim como o Banco do Brasil havia enxergado há 15 anos. Eles vêm facilitando os outros serviços, e alguns deles até começaram a oferecer algum tipo de atendimento diferenciado tentando obter maiores negócios, maior lucro com esse nicho de cliente brasileiro. Então, daqui para a frente, a tendência é melhorar e a concorrência ser incrementada também nos bancos japoneses.
Mas os brasileiros ainda continuam, nos dias de hoje, enfrentando as mesmas dificuldades que enfrentavam no início. São as dificuldades de se comunicar com os funcionários para obter orientação sobre os custos cobrados para câmbio e remessa ao exterior, que são muito mais elevados do que alguns bancos brasileiros. Em alguns bancos grandes japoneses há aplicações em dólares, sendo que as do Banco do Brasil e do Banespa acabam sendo mais compensadoras, porque as taxas são mais atrativas.
Assim, como já me referi, os brasileiros acabam aprendendo a lidar com essas máquinas dos bancos onde recebem os salários apenas para a função de saque, procurando evitar, ao máximo, o pagamento de taxas e outras cobranças. Com o dinheiro em ienes nos bolsos, eles vão em busca de melhores alternativas de câmbio, de aplicação e de remessa para o Brasil. Ao constatar isso, os bancos brasileiros montaram acordos com os correios japoneses e com outros bancos que procuram oferecer facilidades aos seus clientes.
O serviço de cartão remessa
Hoje, a maioria dos bancos brasileiros oferece aos clientes o cartão remessa para o Brasil, utilizando o sistema dos correios japoneses. Quando se trata desse cartão remessa, a pessoa pode solicitar em qualquer um deles, Banco do Brasil, Banespa, Itaú, Bradesco, mesmo que não tenha conta corrente nem poupança nesse determinado banco. Com esses cartões, pode-se dirigir a uma agência dos correios para enviar o dinheiro até o banco respectivo: Banespa, Banco do Brasil etc. Esses bancos, por sua vez, fazem eletronicamente o câmbio para dólar e remetem o valor para o Brasil, de maneira bem mais rápida e mais barata. O serviço de cartão remessa é o mais popular hoje entre os brasileiros que trabalham no Japão.
As pessoas podem ter cartões de vários bancos e cadastrar vários beneficiários do Brasil, tomando apenas o cuidado de usar o cartão certo quando for remeter, senão o dinheiro irá para a conta de um beneficiário errado. Por exemplo, alguém que envia dinheiro regularmente para um parente que tem conta no Banco Itaú em Campinas, verificará que se usar o serviço de cartão remessa no Banco Itaú de Tóquio, apenas para fazer essa remessa, sem ser cliente do Banco Itaú de Tóquio, o dinheiro chegará mais rápido à conta de seu parente. Para um outro parente que tem conta no Banco do Brasil em outra cidade, o cartão do Banco do Brasil poderá ser mais ágil para essa remessa específica, e também não precisará ser cliente do Banco do Brasil para usar esse serviço.
Outro aspecto é que, enviando essa remessa com o cartão do banco do beneficiário, pode ser mais barato. Usando novamente o exemplo do Banco Itaú Campinas, ao utilizar o Banco Itaú no Japão, o total de todos os custos poderá ser mais baixo do que se a pessoa usar outro banco no Japão. Ocorre que os bancos no Brasil cobram para fazer transferência para os outros bancos, o que pode encarecer essa remessa, diferente de quando se usa, desde a origem, desde o Japão, o banco daqui.
Mas isso não impede de usar um banco qualquer no Japão e fazer a remessa para qualquer banco no Brasil, pois, aqui, o sistema é todo interligado e pode ser feita a transferência dos valores em reais para o banco do beneficiário. Às vezes, porém, com algum atraso, pois, neste aspecto, a legislação cambial brasileira é muito exigente. E mesmo que o beneficiário não seja cliente daquele determinado banco no Brasil, é necessário que se cadastre e autorize formalmente o câmbio através de um formulário oficial, permitindo que os reais sejam transferidos para o seu banco.
Em outras palavras, se naquela hipótese de o beneficiário ser cliente do Banco Itaú em Campinas e lá, no Japão, o brasileiro for ao Banespa e fizer um cartão remessa do Banespa, o banco fará essa transferência, eletronicamente, ao Brasil, no entanto, esse dinheiro fica retido no Banespa do Brasil. Ele só transfere esse valor para o Itaú depois que o beneficiário brasileiro for até o Banespa e assinar um determinado documento. É a exigência da legislação cambial brasileira. Isso pode acabar atrasando o recebimento do dinheiro. Este é o primeiro ponto.
O segundo. Pode ser, ou não, que o Banespa cobre alguma comissão para transferir esse valor para o Banco Itaú. Assim, voltamos àquela ideia inicial: é melhor que esse processo, no Japão, seja iniciado pelo Banco Itaú. Portanto, a dica que tenho dado em palestras é a seguinte: lá no Japão, se as condições de preço e facilidade forem iguais entre dois bancos, prefira fazer aquela remessa pelo banco do beneficiário no Brasil. É mais fácil e mais rápido, e os riscos de acontecerem problemas são menores.
Quanto às taxas de remessas, os bancos têm priorizado as remessas feitas através desses cartões automáticos. Têm reduzido suas taxas e, normalmente, não cobram as despesas do beneficiário no Brasil. Como os bancos estão cobrando taxas muito parecidas no Japão – em torno de 1.000, 1.5000 ienes no máximo -, e ainda fazem promoções e remessas gratuitas para os seus clientes, a dica é utilizar sempre vários bancos para a sua remessa, respeitando o banco do beneficiário aqui no Brasil.