Érico Onodera Molero

Professor de Japonês do CIATE

Ter a oportunidade de trabalhar fora do país nos torna mais sensíveis ao que acontece com nossa própria terra, e nos faz perceber a importância de criar raízes em algum lugar, cultivar nossos amigos e aproveitar o convívio com nossa família.

Como dekassegui fui ao Japão duas vezes. Depois entrei na faculdade onde me especializei em Letras, com foco na língua japonesa. Formando-me em 2003 e após um breve período que usei para obter diversos tipos de experiências como professor, voltei ao Japão em 2005. Por sugestão de minha cunhada que estava morando na cidade de Yokkaichi, fui trabalhar por 1 ano na Escola Nikken Objetivo dessa cidade.

Tal escola segue o currículo brasileiro e é voltada aos filhos de brasileiros que residem em solo japonês. Nela, lecionei inglês (que não é minha especialidade) e japonês dentro do currículo regular dos alunos, desde o infantil, até o ensino médio, o que engloba crianças com 3 anos até adolescentes de 17. Cada aula tinha a duração média de 50 minutos, sem intervalo entre uma aula e outra, de modo que certas vezes eu saía de uma aula com criancinhas para uma classe de alunos adolescentes. Ou de uma aula de inglês para outra de japonês logo em seguida.

A variação tão grande de idades e do conteúdo tornava o trabalho físico e mentalmente exaustivo, ainda que gratificante. Também o tempo era bastante rígido, sendo que o cronograma dos trabalhadores das fábricas ditava os regimes de tempo da escola, tendo, por exemplo, de lecionar nos feriados japoneses, pois os trabalhadores não tinham com quem deixar os filhos nesses períodos.

Mesmo assim o ambiente era agradável. Tanto a direção da escola quanto os professores demonstravam um altruísmo talvez só possível no Japão, onde acaba surgindo uma solidariedade tácita entre a comunidade brasileira, pois no fundo todos sabem que estão em um país estrangeiro, e entendem que se eles sentem dificuldade nessa condição, os seus outros compatriotas também as sentem em igual ou maior profundidade. Acredito que isso ocorra entre brasileiros em qualquer terra estrangeira.

Mas a vida corrida do dekassegui trazia problemas específicos. A rotina dos pais brasileiros se refletia nos alunos, em especial aqueles com menos idade. Não somente na indisciplina, mas em alguns casos a ausência de uma orientação familiar mais próxima acabava deixando partes importantes da criação dos flhos por conta da escola. Não era raro crianças muito novas que só viam os pais somente tarde da noite.

    Também refletia negativamente no dia-a-dia da criança a indecisão de ficar no Japão ou voltar ao Brasil. Crianças que tinham a formação escolar numa  escola brasileira e que depois permanecessem no Japão por muito mais tempo do que o planejado, acabavam não tendo grandes perspectivas além de trabalhar em fábricas como a maioria dos imigrantes brasileiros. O ralo ensino de japonês dentro da grade escolar, de apenas 50 minutos 1 ou duas vezes por semana, estava muito longe de mostrar a realidade do país onde as crianças e adolescentes viviam, acabando por distanciá-los ainda mais da realidade do Japão, sendo que, e a ideia era ficar, o mais correto era a escola japonesa e a adaptação na realidade do arquipélago.

Tudo isso faz pensar sobre o que realmente queremos para nossas vidas. Muitas vezes abandonando seus país por conta de uma situação econômica ruim, acaba-se deixando de lado o convívio com as pessoas que importam. E na ânsia de retornar para o próprio país, não se consegue criar laços na terra estrangeira que o abriga. Em certo aspecto isso se torna a repetição de erros já cometidos pelos imigrantes japoneses, a identidade do indivíduo muitas vezes se esfacela na falta de raízes em terra alguma.

Compreender que somos criaturas sociais e necessitamos do convívio do outro é fundamental para existir com paz de espírito. Qual a importância de uma vida tão curta, se não cultivamos pessoas queridas ao nosso convívio? Somos como golfinho, elefantes, criaturas sociais, nos aniquilamos se estamos sozinhos. E precisamos de tempo e paciência para criar relações de amizade. Daí a relevância de ter uma terra como morada.

Decidir entre morar no Japão ou no Brasil, ou em qualquer lugar que seja, é uma escolha básica. Uma vez tomada, ganhamos vínculos que nos fortalecem. Aproveitar a experiência em outras terras é excelente, mas escolher a sua preferida é o primeiro passo a ser tomado.